terça-feira, 24 de maio de 2016

É preciso ser muito homem para dizer "sim" a Deus


Ao olharmos para a Igreja, hoje, deparamos com a beleza do grande número de jovens que se entregam ao serviço do Senhor. Jovens que deixaram tudo: projetos, juventude, sonhos, para sonhar o sonho de Deus, para dedicar a vida à salvação das almas. Vocações que se levantam, a cada dia, em resposta ao apelo do coração de Deus, por intermédio do Seu povo. Uma juventude que testemunha – com a vida – que o segredo da felicidade tem nome: Jesus Cristo.

Observando com cuidado também deparamos com uma dura realidade: são as mulheres que representam a grande maioria desses jovens que respondem ao chamado de Deus. Elas constituem a maioria em grande parte dos serviços da Igreja e dedicam, com muito carinho, toda a sua vida ao serviço do Senhor. É nesse momento que surge a pergunta: onde estão os homens?

Deus é o mesmo e continua a chamar a todos, assim como fez em toda a história da salvação. Assim como fez com Abraão, Moisés, Samuel, Davi, Pedro, Tiago, João, Paulo, Ele continua a chamar homens para o Seu seguimento. Se Ele os chama, por que eles não respondem?

Parece que os rapazes de hoje têm medo de se decidir, de se posicionar e encarar as consequências de suas decisões até o fim. Ficam ponderando e se agarrando a falsas seguranças pessoais, como se estas fossem eternas. Não afirmo isso somente com relação à vocação à vida consagrada, mas digo o mesmo com relação aos relacionamentos, ao matrimônio, ao trabalho, aos compromissos próprios da vida. Encontramos uma geração de pessoas que querem viver sem assumir a responsabilidade própria do ser homem, sem assumir o seu papel na história.

Vivemos em uma sociedade que por vezes se mostra machista, mas que ao mesmo tempo vai retirando – por meio de seus conceitos e estruturas – a firmeza, a coragem e a decisão que são próprias do ser homem. Por causa da busca desenfreada pela igualdade entre os sexos, anula-se aquilo que é próprio do homem e se forma uma sociedade frágil, na qual ninguém quer assumir o papel que lhe compete.

Para seguir uma vocação é preciso ser muito homem! É preciso muita coragem para renunciar a tudo a fim de fazer a vontade de Deus. Como homens que somos paramos de buscar a segurança em nossas próprias forças, em nossa racionalidade, que nos é tão própria, e nos abandonamos confiantes nos braços de Deus, que cuida de todas as coisas. Assumimos que mesmo sendo chamados a cuidar, a zelar e a responder por muitos, somos antes de tudo cuidados por um Pai que nos ama. Dessa forma, tornamo-nos inteiramente do Senhor e, por essa razão, nos tornamos muito mais homens.

Deus precisa de homens para levar a salvação até os confins da terra. Homens que assumam o seu papel na história e se deixem conduzir inteiramente pela ação do Espírito Santo. Homens que podem mudar a história com uma simples palavra: “sim”!

Um dia, eu fui provocado pelo Amor de Deus, que me desafiou e me exigiu uma resposta. Dei um “sim” na escuridão da fé e hoje vejo um horizonte ilimitado de felicidade na vontade de Deus. Não foi fácil romper com as amarras dos desígnios da sociedade e seguir a vontade do Senhor, mas hoje vejo o quanto essa decisão me fez muito mais homem. Hoje, sou muito mais feliz por saber que assumo o meu papel na história, assim como tantos homens que se deixaram seduzir por um Amor maior.

Talvez neste momento Deus o esteja desafiando a dar a sua resposta. Uma resposta que só depende de você. Não importa o que o Senhor esteja suscitando no seu coração: sacerdócio, matrimônio, vida consagrada em comunidade ou qualquer outra forma serviço pelo Reino de Deus. Agora é a hora da resposta e da decisão que mudarão toda a sua vida. Dê a sua resposta, mas lembre-se: é preciso ser muito homem para dizer “sim” a Deus!

quinta-feira, 19 de maio de 2016

As 7 excelências da batina: Sacerdote testemunha o impacto que a batina exerce como símbolo de consagração a Deus


O padre espanhol Jaime Tovar Patrón foi coronel capelão e cumpriu relevantes missões no Vicariato Castrense. Grande orador sacro, ele foi ainda historiador do sacerdócio castrense e escreveu o livro “Los Curas de la Cruzada“, ou “Os Padres da Cruzada“, sobre os sacerdotes que arriscaram a vida, heroicamente, para levar adiante o seu trabalho pastoral durante a guerra civil espanhola iniciada em 1936. Padres, religiosos e religiosas estiveram entre as vítimas preferenciais desse capítulo sangrento da história da Espanha e da Igreja. O pe. Jaime faleceu em janeiro de 2004.

No texto a seguir, ele nos recorda a importância do “uniforme sacerdotal”, a batina ou hábito talar, cujo impacto é tão grande perante a sociedade que muitos regimes anticristãos a proibiram expressamente. O uso da batina, tradição antiquíssima, tem sido esquecido, no entanto, e até desprezado nas últimas décadas – o que não quer dizer que a batina tenha perdido a sua força como testemunho de consagração e pertencimento a Deus, não ao mundo.

1ª – RECORDAÇÃO CONSTANTE DO SACERDOTE

Certamente que, uma vez recebida a ordem sacerdotal, não se esquece facilmente. Porém um lembrete nunca faz mal: algo visível, um símbolo constante, um despertador sem ruído, um sinal ou bandeira. O que vai à paisana é um entre muitos, o que vai de batina, não. É um sacerdote e ele é o primeiro persuadido. Não pode permanecer neutro, o traje o denuncia. Ou se faz um mártir ou um traidor, se chega a tal ocasião. O que não pode é ficar no anonimato, como um qualquer. E logo quando tanto se fala de compromisso! Não há compromisso quando exteriormente nada diz do que se é. Quando se despreza o uniforme, se despreza a categoria ou classe que este representa.

2ª – PRESENÇA DO SOBRENATURAL NO MUNDO

Não resta dúvida de que os símbolos nos rodeiam por todas as partes: sinais, bandeiras, insígnias, uniformes… Um dos que mais influencia é o uniforme. Um policial, um guardião, é necessário que atue, detenha, dê multas, etc. Sua simples presença influi nos demais: conforta, dá segurança, irrita ou deixa nervoso, segundo sejam as intenções e conduta dos cidadãos. Uma batina sempre suscita algo nos que nos rodeiam. Desperta o sentido do sobrenatural. Não faz falta pregar, nem sequer abrir os lábios. Ao que está de bem com Deus dá ânimo, ao que tem a consciência pesada avisa, ao que vive longe de Deus produz arrependimento. As relações da alma com Deus não são exclusivas do templo. Muita, muitíssima gente não pisa na Igreja. Para estas pessoas, que melhor maneira de lhes levar a mensagem de Cristo do que deixar-lhes ver um sacerdote consagrado vestindo sua batina? Os fiéis tem lamentado a dessacralização e seus devastadores efeitos. Os modernistas clamam contra o suposto triunfalismo, tiram os hábitos, rechaçam a coroa pontifícia, as tradições de sempre e depois se queixam de seminários vazios; de falta de vocações. Apagam o fogo e se queixam de frio. Não há dúvidas: o “desbatinamento” ou “desembatinação” leva à dessacralização.

3ª – É DE GRANDE UTILIDADE PARA OS FIÉIS

O sacerdote o é não só quando está no templo administrando os sacramentos, mas nas vinte e quatro horas do dia. O sacerdócio não é uma profissão, com um horário marcado; é uma vida, uma entrega total e sem reservas a Deus. O povo de Deus tem direito a que o auxilie o sacerdote. Isto se facilita se podem reconhecer o sacerdote entre as demais pessoas, se este leva um sinal externo. Aquele que deseja trabalhar como sacerdote de Cristo deve poder ser identificado como tal para o benefício dos fiéis e melhor desempenho de sua missão.

4ª – SERVE PARA PRESERVAR DE MUITOS PERIGOS

A quantas coisas se atreveriam os clérigos e religiosos se não fosse pelo hábito! Esta advertência, que era somente teórica quando a escrevia o exemplar religioso Pe. Eduardo F. Regatillo, S.I., é hoje uma terrível realidade. Primeiro, foram coisas de pouca monta: entrar em bares, lugares de recreio, diversão, conviver com os seculares, porém pouco a pouco se tem ido cada vez a mais. Os modernistas querem nos fazer crer que a batina é um obstáculo para que a mensagem de Cristo entre no mundo. Porém, suprimindo-a, desapareceram as credenciais e a mesma mensagem. De tal modo, que já muitos pensam que o primeiro que se deve salvar é o mesmo sacerdote que se despojou da batina supostamente para salvar os outros. Deve-se reconhecer que a batina fortalece a vocação e diminui as ocasiões de pecar para aquele que a veste e para os que o rodeiam. Dos milhares que abandonaram o sacerdócio depois do Concílio Vaticano II, praticamente nenhum abandonou a batina no dia anterior ao de ir embora: tinham-no feito muito antes.

5ª – AJUDA DESINTERESSADA AOS DEMAIS

O povo cristão vê no sacerdote o homem de Deus, que não busca seu bem particular se não o de seus paroquianos. O povo escancara as portas do coração para escutar o padre que é o mesmo para o pobre e para o poderoso. As portas das repartições, dos departamentos, dos escritórios, por mais altas que sejam, se abrem diante das batinas e dos hábitos religiosos. Quem nega a uma monja o pão que pede para seus pobres ou idosos? Tudo isto está tradicionalmente ligado a alguns hábitos. Este prestígio da batina se tem acumulado à base de tempo, de sacrifícios, de abnegação. E agora, se desprendem dela como se se tratasse de um estorvo?

6ª – IMPÕE A MODERAÇÃO NO VESTIR

A Igreja preservou sempre seus sacerdotes do vício de aparentar mais do que se é e da ostentação dando-lhes um hábito singelo em que não cabem os luxos. A batina é de uma peça (desde o pescoço até os pés), de uma cor (preta) e de uma forma (saco). Os arminhos e ornamentos ricos se deixam para o templo, pois essas distinções não adornam a pessoa se não o ministro de Deus para que dê realce às cerimônias sagradas da Igreja. Porém, vestindo-se à paisana, a vaidade persegue o sacerdote como a qualquer mortal: as marcas, qualidades do pano, dos tecidos, cores, etc. Já não está todo coberto e justificado pelo humilde hábito religioso. Ao se colocar no nível do mundo, este o sacudirá, à mercê de seus gostos e caprichos. Haverá de ir com a moda e sua voz já não se deixará ouvir como a do que clamava no deserto coberto pela veste do profeta vestido com pelos de camelo.

7ª – EXEMPLO DE OBEDIÊNCIA AO ESPÍRITO E LEGISLAÇÃO

Como alguém que tem parte no Santo Sacerdócio de Cristo, o sacerdote deve ser exemplo da humildade, da obediência e da abnegação do Salvador. A batina o ajuda a praticar a pobreza, a humildade no vestiário, a obediência à disciplina da Igreja e o desprezo das coisas do mundo. Vestindo a batina, dificilmente se esquecerá o sacerdote de seu importante papel e sua missão sagrada ou confundirá seu traje e sua vida com a do mundo. Estas sete excelências da batina poderão ser aumentadas com outras que venham à tua mente, leitor. Porém, sejam quais forem, a batina sempre será o símbolo inconfundível do sacerdócio, porque assim a Igreja, em sua imensa sabedoria, o dispôs e têm dado maravilhosos frutos através dos séculos.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Papa Francisco: “O Sacerdote não é um burocrata, deve estar sempre disponível”



Discurso do Pontífice na abertura da 69ª Assembleia Geral da Conferência Episcopal Italiana

Hoje o Papa Francisco pronunciou um discurso na abertura da 69ª Assembleia Geral da Conferência Episcopal Italiana.

“Nesta tarde, não quero lhes oferecer uma reflexão sistemática sobre a figura do sacerdote. Tentemos, ao contrário, inverter a perspectiva e ouvir atentamente, em contemplação. Aproximando-nos, quase que em ponta de pé, a um dos tantos párocos que passam pelas nossas comunidades; deixemos que o rosto de um deles passe perante os olhos do nosso coração e perguntemo-nos com simplicidade: o que faz a sua vida ser saborosa? Por quem e para que entrega o seu serviço? Qual é a finalidade do seu doar-se?”

***

Confira o discurso na íntegra:

“Queridos irmãos,

O que me deixa particularmente feliz em abrir com vocês esta assembleia é o tema que colocaram como fio condutor dos trabalhos – A renovação do clero –, no desejo de apoiar a formação no decorrer das diversas estações da vida.

A Festa de Pentecostes que foi apenas celebrada coloca esse objetivo na perspectiva justa. O Espírito Santo permanece, de fato, o protagonista da história da Igreja: é o Espírito que habita plenamente na pessoa de Jesus e nos conduz ao mistério do Deus vivo; é o Espírito que animou a resposta generosa da Virgem Mãe e dos Santos; é o Espírito que trabalha nos crentes e nos homens de paz e provoca a disponibilidade generosa e a alegria evangelizadora de tantos sacerdotes. Sem o Espírito, sabemos, não existe possibilidade de vida boa, nem de reforma. Rezamos e nos comprometemos a proteger a sua força, afim de que ‘o mundo do nosso tempo possa receber a Boa Nova […] dos ministros do Evangelho, de onde a vida irradia fervor’ (Paolo VI, Exort. Ap. Evangelii nuntiandi, 80).

Nesta tarde, não quero lhes oferecer uma reflexão sistemática sobre a figura do sacerdote. Tentemos, ao contrário, inverter a perspectiva e ouvir atentamente, em contemplação. Aproximando-nos, quase que em pontas dos pés, a um dos tantos párocos que passam pelas nossas comunidades; deixemos que o rosto de um deles passe perante os olhos do nosso coração e perguntemo-nos com simplicidade: o que faz a sua vida ser saborosa? Por quem e para que entrega o seu serviço? Qual é a finalidade do seu doar-se?

Espero que esses questionamentos possam repousar dentro de vocês no silêncio, na oração tranquila, no diálogo franco e fraterno: as respostas que florescerão os ajudarão a individuar também as propostas de formação pelas quais investir com coragem.

1. O que, então, dá sabor à vida do “nosso” presbítero? O contexto cultural é muito diverso daquele em que deu os primeiros passos no ministério. Inclusive na Itália, muitas tradições, hábitos e visões da vida foram afetados por uma profunda mudança de época.

Nós, que frequentemente nos encontramos lamentando este tempo com tom amargo e acusatório, devemos também sentir a sua dureza: no nosso ministério, quantas pessoas encontramos que estão em ânsia pela falta de referências para seguir! Quantas relações feridas! Num mundo em que cada um se considera a medida de tudo, não tem mais lugar para o irmão.

Sobre esse contexto, a vida do nosso presbítero se torna eloquente, porque diversa, alternativa. Como Moisés, ele é um que se aproximou do fogo e deixou que as chamas queimassem as suas ambições de carreira e poder. Fez um fogo também das tentações de se interpretar como um “devoto”, que se refugia num intimismo religioso que de espiritual tem bem pouco.

Está de pés descalços, o nosso padre, em comparação à uma terra que é determinada a acreditar e a se considerar santa. Não se escandaliza pelas fragilidades que agitam a essência humana: ciente de ser ele mesmo um paralítico curado, é distante da frieza de um grande marcador de penalidades, como também da superficialidade de quem quer se mostrar tolerante ao bom mercado. O outro, aceita, ao contrário, de assumir responsabilidades, sentindo-se atuante e encarregado do seu destino.

Com o óleo da esperança e da consolação, se faz próximo de todos, atento a compartilhar o abandono e o sofrimento. Tendo aceitado de não dispor de si mesmo, não tem uma agenda para defender, mas entrega todas as manhãs ao Senhor o seu tempo para se deixar encontrar com as pessoas e conhecê-las. Assim, o nosso sacerdote não é um burocrata ou um anônimo funcionário da instituição; não é consagrado a um papel empregatício, nem é movido por critérios de eficiência.

Sabe que o Amor é tudo. Não procura garantias terrenas ou títulos honoríficos que levam a confiar no homem; no ministério não questiona nada que vá além da real necessidade, nem está preocupado de ligar a si pessoas que lhe foram confiadas. O seu estilo de vida simples e essencial, sempre disponível, apresenta-o plausível aos olhos das pessoas e o aproxima aos humildes, numa caridade pastoral que torna livres e solidários. Servo da vida, caminha com o coração e o passo dos pobres; faz-se rico do encontro com eles. É um homem de paz e de reconciliação, um sinal e um instrumento da ternura de Deus, atento a difundir o bem com a mesma paixão com a qual os outros curam os seus interesses.

O segredo do nosso presbítero, vocês sabem bem!, está naquele arbusto ardente que marca a chamas a existência, a conquista e está em conformidade àquela de Jesus Cristo, verdade definitiva da sua vida. É a relação com Ele que o protege, fazendo-o alheio à mundanidade espiritual que corrompe, como também a qualquer compromisso e mesquinhez. É a amizade com o seu Senhor a levá-lo a abraçar a realidade quotidiana com a confiança de quem crê que a impossibilidade do homem não permanece assim para Deus.

2. Torna-se, assim, mais imediato enfrentar também as outras questões das quais iniciamos.Para quem entrega o serviço o nosso presbítero? A pergunta, talvez, precisa ser esclarecida. De fato, antes mesmo de nos questionarmos sobre os destinatários do seu serviço, devemos reconhecer que o presbítero é assim, na medida em que se sente atuante da Igreja, de uma comunidade concreta da qual compartilha o caminho. O povo fiel de Deus permanece sendo o seio do qual nasceu, a família na qual é envolvida, a casa para onde é enviado. Essa atribuição comum, que flui do Batismo, é a respiração que libera de uma auto-referencialidade que isola e aprisiona: ‘Quando o teu pequeno barco começará a colocar raízes na imobilidade do cais’, lembrava Dom Hélder Câmara, ‘vai para o fundo!’. Parte! E, acima de tudo, não porque tem uma missão para cumprir, mas porque estruturalmente você é um missionário: no encontro com Jesus experimentou a plenitude de vida e, por isso, deseja fortemente que os outros se reconheçam nEle e possam proteger a sua amizade, nutrir-se da sua palavra e celebrá-Lo na comunidade.

Aquele que vive no Evangelho, entra dessa forma num compartilhamento virtuoso: o pastor é convertido e confirmado da fé simples do povo santo de Deus, com o qual trabalha e que no coração vive. Essa atribuição é o sal da vida do presbítero; faz com que o seu princípio distintivo seja a comunhão, vivida com os leigos em relações que sabem valorizar a participação de cada um. Nesse tempo pobre de amizade social, a nossa primeira tarefa é aquela de construir comunidade; a atitude à relação é, então, um critério decisivo de discernimento vocacional.

Ao mesmo modo, para um sacerdote é vital se encontrar no cenáculo do presbitério. Essa experiência, quando não é vivida em maneira ocasional, nem em força de uma colaboração instrumental, libera dos narcisismos e dos ciúmes clericais; faz crescer a estima, o apoio e a benevolência recíproca; favorece uma comunhão não somente sacramental ou jurídica, mas fraterna e concreta. No caminhar junto dos presbíteros, diferentes por idade e sensibilidade, expande-se um perfume de profecia que surpreende e fascina. A comunhão é, sem dúvida, um dos nome da Misericórdia.

Na vossa reflexão sobre a renovação do clero entra novamente o capítulo que se refere à gestão das estruturas e dos bens econômicos: em uma visão evangélica, evitem de se sobrecarregar numa pastoral de conservação, que cria obstáculo à abertura à perene novidade do Espírito. Mantenham somente aquilo que pode servir para a experiência de fé e de caridade do povo de Deus.

3. Enfim, nos questionamos qual fosse a finalidade do doar-se do nosso presbítero. Quanta tristeza fazem aqueles que, na vida, estão sempre um pouco pela metade. Calculam, ponderam, não arriscam nada por medo de se perder… São os mais infelizes! O nosso presbítero, ao contrário, com os seus limites, é um que se aventura até o final: nas condições concretas da vida e do ministério que lhe foram colocadas, ele se oferece com gratuidade, com humildade e alegria. Inclusive quando ninguém parece perceber. Inclusive quando, por intuição, humanamente percebe que talvez ninguém vai agradecê-lo suficientemente do seu doar-se sem medidas.

Mas, ele sabe, não poderia fazer diferente: ama a terra, que reconhece visitada todas as manhãs pela presença de Deus. É o homem da Páscoa, do olhar direcionado ao Reino e para onde se sente que a história humana caminha, apesar dos atrasos, das obscuridades e contradições. O Reino, a visão que o homem tem Jesus, é a sua alegria, o horizonte que lhe permite relativizar o resto, de diluir preocupações e ansiedade, de ficar livre das ilusões e do pessimismo; de proteger no coração a paz e de difundi-la com os seus gestos, as suas palavras, as suas atitudes.

Está, então, delineada, queridos irmãos, a tríplice pertença que nos constitui: pertença ao Senhor, à Igreja, ao Reino. Esse tesouro em vasos de Creta precisa ser protegido e promovido! Compreendam fortemente essa responsabilidade, assumam com paciência e disponibilidade de tempo, de mãos e de coração.

Rezo com vocês a Virgem Santa, para que a sua intercessão os proteja acolhedores e fiéis. Junto com os vossos presbíteros, possam terminam o trabalho, o serviço que lhes foi confiado e com o qual participam ao mistério da Mãe Igreja.”

quarta-feira, 11 de maio de 2016

O uso do cabeção

Traduzo o cânon 284 do código latino: “Os clérigos usem hábito eclesiástico decoroso, de acordo com as normas da conferência episcopal e com os legítimos costumes locais.”


Antes de mais nada, esclareço que cabeção é a palavra portuguesa para o que inadequadamente se convencionou chamar de clergyman, vocábulo inglês que significa clérigo. O cabeção, em suma, é o colarinho eclesiástico, ou seja, uma gola branca, adaptada à camisa, em volta do pescoço do sacerdote. Dispomos de um termo em nossa língua. Usemo-lo! Não há mister recorrer ao glossário alienígena. Não nos humilhemos!

Traduzo o cânon 284 do código latino: “Os clérigos usem hábito eclesiástico decoroso, de acordo com as normas da conferência episcopal e com os legítimos costumes locais.”

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) regulamentou esse cânon, dispondo que os clérigos têm de usar “um traje eclesiástico digno e simples, de preferência oclergyman ou a batina.” (Legislação Complementar). Infelizmente, deslembrou-se do nosso castigadíssimo cabeção.

Parece clarividente que ao direito eclesial repugna a ideia do padre ou do bispo vestido como leigo. Daí o valor do cabeção, o qual “distingue claramente os sacerdotes dos leigos e dá a entender o caráter sagrado do seu ministério, recordando ao próprio presbítero que, sempre e em qualquer momento, é sacerdote (…)” (Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros, n. 61). Com efeito, preceitua também o mesmo diretório: “Numa sociedade secularizada e de tendência materialista, em que também os sinais externos das realidades sagradas e sobrenaturais tendem a desaparecer, sente-se particularmente a necessidade de que o presbítero – homem de Deus, dispensador dos seus mistérios – seja reconhecível pela comunidade, também pelo hábito que traz como sinal inequívoco da sua dedicação e da identidade de detentor de um ministério público.” (n. 61).

Discursava Bento XVI, o papa emérito, aos participantes de um congresso teológico realizado em 2010, na Cidade Eterna: “No modo de pensar, falar, julgar os acontecimentos do mundo, servir e amar, e de se relacionar com as pessoas, também no hábito [por exemplo: cabeção], o presbítero deve haurir força profética da sua pertença sacramental.”

Finalizo, dando um testemunho. Na Igreja particular onde resido, a Diocese de Santo Amaro, uma das cinco dioceses localizadas na cidade de São Paulo, a esmagadora maioria dos padres usa o cabeção. Alguns até trajam veste talar, isto é, batina. Cumprimento-os por terem a coragem de cumprir a lei canônica, porquanto entenderam o espírito benfazejo dela, já que o cabeção ou colarinho eclesiástico é um sinal exterior de uma realidade interior da alma do homem de Deus (Diretório acima referido, n. 61).

terça-feira, 10 de maio de 2016

Como e por que estar a sós diante da Eucaristia? Guia para a adoração ao Santíssimo Sacramento

Uma das frases mais fortes de Jesus no Evangelho é a pergunta que Ele faz aos apóstolos em Getsêmani, quando os vê dormindo: “Não conseguem velar uma hora comigo?”. Em outras palavras, Jesus quis que eles dedicassem uma hora de reparação para combater a hora do mal.

A oração pessoal durante uma hora diante do Santíssimo Sacramento, estando ou não exposto, consiste basicamente nisso: acompanhar o Senhor em seus últimos momentos com o coração, buscando assimilar o seu amor.

É uma hora para aprender de Jesus, agradecer seu sacrifício e corresponder ao seu amor. Neste sentido, a adoração ao Santíssimo Sacramento é uma prolongação da missa.

Estar na presença do Santíssimo é como sair para tomar sol; assim como o sol é fonte natural da energia que dá vida, da mesma maneira Jesus sacramentado é a fonte sobrenatural de todo amor e graça.

Estar na presença do Senhor gera uma amizade íntima com Ele que nos entusiasma na vida – algo que não se alcança com estudos teológicos, por exemplo. É preciso conhecer mais Jesus Cristo, saber mais sobre Ele; e para isso, o trato pessoal com Jesus é fundamental. Recordemos que o verbo “conhecer”, na linguagem bíblica, significa amar.

Na adoração, Jesus nos convida a nos aproximarmos dele, conversar com Ele, pedir-lhe as coisas de que necessitamos e experimentar a bênção da sua amizade.

Essa hora de adoração pode ser oferecida por várias intenções, especialmente pela conversão dos pecadores.

Não existe um roteiro estabelecido pela Igreja para fazer adoração; cada um pode seguir o seu coração nesse momento. No entanto, vale a pena recordar a necessidade do silêncio interior e do recolhimento para estar na presença de Deus, bem como a importância de fazer um ato de fé e tomar consciência da presença de Deus no início da adoração.

Durante a adoração, há algumas devoções especialmente válidas, como ler o Evangelho e meditar sobre o que se leu; rezar a Via Sacra; recitar os mistérios dolorosos do terço; ler e orar sobre algum texto de espiritualidade, rezar com os salmos etc.

Também é de grande proveito espiritual simplesmente estar na presença do Senhor, fazer-lhe companhia, identificar-se com Jesus, oferecer-lhe a dor pessoal para permitir que seu consolo toque o coração e o encha de paz interior, receber sua inspiração divina para encontrar luz nas dificuldades.

Há três recomendações importantes ao fazer a adoração eucarística:

1. Estar atentos. Não dar espaços para as distrações. Desligar o celular, por exemplo.

2. Recordar: não é uma hora de leitura.

3. Estar alerta. Alternar posições: sentar-se, ajoelhar-se, ficar em pé com respeito. O importante é não ficar em uma situação tão cômoda, a ponto de dormir.

Como já foi dito, não existe um “ritual” a ser seguido na hora da adoração. No entanto, o fiel pode levar em consideração a seguinte sugestão de roteiro, que eu particularmente pratico e quero compartilhar:

1. Fazer o sinal da cruz.
2. Oração de preparação (espontânea ou já existente).
3. Leitura espiritual (de livre escolha) e meditação. Lectio divina.
4. O santo terço e/ou Via Sacra e/ou liturgia das horas.
5. Oração pessoal. Privilegiar este momento.
6. Comunhão eucarística espiritual (por meio de uma oração pessoal ou já existente).
7. Contemplação do Santíssimo.
8. Louvores de desagravo e reparação.
9. Oração final (pessoal ou já existente).
10. Sinal da cruz.

Na oração pessoal (ponto 5), que é o momento central, mais do que falar com o Senhor, é importante criar um momento de silêncio, pois o silêncio é capaz de abrir um espaço interior no mais íntimo de nós que permite a ação de Deus, que faz que sua Palavra permaneça em nós, para que o amor a Ele crie raízes em nossa mente, em nosso coração e seja motivação da nossa vida.

Na adoração eucarística, o mais importante é deixar-se amar e abraçar pelo Senhor em cada momento, isto é, entrar em sua intimidade.