São
Francisco foi um santo que, em sua vida mortal, procurava nutrir muito sua
alma, para não esfriar o seu amor por Jesus, com um espírito de oração e
sacrifício muito grande. Tal era que ele realizava por ano três quaresmas, além
de outro período de jejum e oração em honra da Mãe de Deus pela qual tinha um
doce e especial afeição.
Foi de um
modo muito especial que, na Quaresma de São Miguel, Deus coroou Francisco de
graças abundantes, entre elas, a de marcá-lo em seu corpo, pelo profundo desejo
de imitar ao seu filho Jesus Cristo, com os sinais de sua Paixão. Todas essas
quaresmas eram realizadas no Monte Alverne (“verna” vem de “vernare”, que
significa “fazer frio”, gela).
São
Boaventura diz, em sua Legenda Maior (capítulo 9, parágrafo 3) dos escritos
biográficos de São Francisco: “um vínculo de amor indissolúvel unia-o aos anjos
cujo maravilhoso ardor o punha em êxtase diante de Deus e inflamava as almas
dos eleitos”. Por devoção aos anjos, celebrava uma Quaresma de jejuns e orações
durante os quarenta dias que seguem a Assunção da Santíssima Virgem Maria. São
Miguel, a quem cabe o papel de introduzir as almas no Paraíso, era objeto de
uma devoção especial em razão do desejo que tinha o santo de salvar a todos os
homens. Era do conhecimento de Francisco a autoridade e o auxílio que o Arcanjo
Miguel tem em exercício das almas em salvá-las no último instante da vida e o
poder de ir ao purgatório retirá-las de lá.
Esse era
o principal motivo pelo qual Francisco realizava sua Quaresma, conforme relato
na Legenda Terusina, no nº 93 de sua biografia, em que o santo vai dizer, no
ano de 1224 (ano em que recebeu os estigmas): “Para honra de Deus, da
Bem-aventurada Virgem Maria e de São Miguel, príncipe dos anjos e das almas,
quero fazer aqui uma quaresma”.
Nesse
ano, estando Francisco a rezar no Monte Alverne, em sua primeira Quaresma em
honra do glorioso Arcanjo Miguel, foi que ele sentiu com maior abundância do
que nunca a suavidade da contemplação celeste, o ardor dos desejos
sobrenaturais e a profusão das graças divinas. Foi transportado até Deus num
fogo de amor seráfico e transformado pelos arroubos de uma profunda compaixão
naquele que em seus extremos de amor quis ser crucificado. Aproximava a festa
da Exaltação da Santa Cruz. Orava certa manhã numa das partes do monte, quando
ele viu descer do alto do céu um Serafim de seis asas flamejantes, o qual, num
rápido voo, chegou perto do lugar onde estava o homem de Deus. O personagem
apareceu-lhe não apenas munido de asas, mas também crucificado, mãos e pés
estendidos e atados a uma cruz. Duas asas elevavam-se por cima de sua cabeça,
duas outras estavam abertas para o voo, as duas últimas cobriam-lhe o corpo.
Tal
aparição deixou Francisco mergulhado num profundo êxtase, enquanto em sua alma
se mesclava a tristeza e a alegria: uma alegria transbordante ao contemplar a
Cristo que se lhe manifestava de uma maneira tão milagrosa e familiar, mas ao
mesmo tempo uma dor imensa, pois a visão da cruz transpassava sua alma com uma
espada de dor e de compaixão e era iluminada internamente. Francisco
compreendeu que os sofrimentos da paixão de modo algum podem atingir um
Serafim, que é um espírito imortal. Mas essa visão lhe fora concedida para
ensinar que não era o martírio do corpo, mas o amor que incendiou a sua alma
que deveria transformá-lo, tornando-o semelhante a Jesus Crucificado. Após uma
conversação familiar, que nunca foi revelada aos outros, desapareceu aquela
visão, deixando-lhe o coração inflamado de um ardor seráfico e imprimindo-lhe
na carne a semelhança externa com o crucificado, como a marca de um sinete na
cera que o calor do fogo fez derreter. Logo começaram, com efeito, a aparecer
em suas mãos e pés as marcas dos cravos.
Quando o
verdadeiro amor transformou o amigo de Cristo na semelhança daquele que ele
amava, terminados os quarenta dias previstos no monte e na solidão, chegou a
festa de São Miguel; e Francisco, homem evangélico, desceu do monte, trazendo a
imagem do crucificado, não esculpida em tábuas de pedra ou de madeira pela mão
de algum artista, mas reproduzida em sua própria carne pelo dedo do Deus Vivo.
Francisco,
para não se igualar a Jesus que ficou 40 dias e 40 noites em jejum total, come
ao final destes dias um pedaço de pão e bebe água, pois se achava indigno de se
igualar a Jesus.
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